quarta-feira, 11 de julho de 2012

Pimentas na inteligência

Pouco se faz referência à importância da educação do olhar



Pimentas são frutinhas coloridas que podem provocar incêndios na boca. Há ideias que se assemelham a elas: podem incendiar os pensamentos. Nietzsche era especialista em ideias incendiárias. Um eremita que vivia na floresta, ao ver Zaratustra descer das montanhas para as planícies, percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo com suas ideias. Zaratustra sabia que elas queimavam e que muitos, ao lê-lo, " pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas ".  Mas, para provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta a brasa, um único pensamento...

Van Gogh tem uma tela que representa essa cena: o pai, jardineiro, interrompeu seu trabalho, está ajoelhado no chão, com os braços estendidos para a criança conduzida pela mãe. O rosto do pai não pode ser visto. Mas ele está sorrindo. O rosto-olhar do pai diz para o filho: "Vem. Quero que você ande". É o desejo de que a criança ande que a incita ao aprendizado de algo que não pode ser ensinado com exemplos ou palavras. Aquele pai agachado, braços estendidos, não é uma linda imagem para o educador? A primeira tarefa da educação é ensinar a ver: assim Nietzsche resumiu sua filosofia da educação. É através dos olhos que as crianças tomam contato com o assombro do mundo. Os olhos têm de ser educados para que a alegria aumente. As crianças não veem "a fim de".  Seu olhar não tem objetivo prático. 

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: "Veja!"- e ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande, fica mais rico interiormente e permite sentir mais alegria e dar mais alegria, razão pela qual vivemos.
Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação, didática - mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar  de qualquer referência à educação do olhar, ou à importância do olhar.

" O sentido está guardado no rosto com que te miro " (Cecília Meireles). Não te miro com os meus olhos. Te miro com o meu rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. O rosto da criança revela à mãe o segredo do seu olhar.  E o rosto do professor revela ao aluno o segredo do seu olhar.

" O meu lábio zombeteiro faz a lança dele refluir ". (Adélia Prado). Lança? Metáfora para o falo ereto. Mas o lábio zombeteiro  transforma a lança em macarrão cozido...  A lança, humilhada,  se  encolhe, torna-se incapaz do ato do amor. Há uma relação metafórica entre a lança fálica e a inteligência.
Como a lança fálica, a inteligência ou se alonga e levanta para o ato de conhecer, ou se encolhe, flácida e impotente. O olhar de um professor tem o poder de fazer a inteligência de uma criança ficar ereta ou flácida... O lábio zombeteiro do professor faz a inteligência do aluno refluir.

"Formatura": "formar" é colocar na forma, fechar. Um ser humano "formado" é um ser humano fechado, emburrecido. Educar é abrir. Educar é "desformar". Uma festa de "desformatura"...

Rubem Alves Educador e escritor

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A carreira entre pontos e vírgulas

Em alguns momentos da minha vida escolar aprendi que os sinais de pontuação servem para marcar pausas e dar a entonação correta à leitura. Quem de nós nunca ouviu algo do tipo: “Você deve usar a vírgula quando é preciso dar uma paradinha para respirar”.  Durante muito tempo da minha infância tentei praticar o exercício “aeróbico-ortográfico” nas minhas leituras e me frustrava com o resultado que roubava toda a beleza do texto... E o que dizer sobre a incoerência do nome do ponto final?! Eu não conseguia encontrar o fim no tal ponto.

Não se sabe ao certo em que momento da vida essas reflexões infantis, tão docemente ingênuas e autênticas, vão sendo substituídas pelas ponderações da maturidade e a vida vai se apresentando como um grande texto para o qual descobrimos que não há nenhuma explicação razoável para sua pontuação.

Vamos aprendendo que as vírgulas podem ser grandes arrancadas e que substituem muito bem os pontos finais, já que estes, em determinados momentos, nos impedem de ir além, mas em contrapartida, percebemos que não adianta insistir em vírgulas, quando algo que não está sob o nosso comando já determinou o final. Essa pode ser a melhor hora para a inclusão de novos pontos de interrogação, pois, mesmo que não haja respostas prontas, parece que o tempo se encarrega de trazê-las.

E as reticências?! Verdadeiras e preciosas pausas! Presentes que se pode oferecer ao outro para que tenha a possibilidade de ir além de você, de ir além do que você planejou, do que você pensou.

Essa brincadeira metafórica é o que me vem à mente para anunciar a pontuação de um novo ciclo no meu projeto de vida: começo a rascunhar a história do meu mestrado em Educação. A necessidade de buscar novos desafios em minha trajetória profissional me fez procurar meios de ressignificá-la, de atribuir-lhe mais sabor.

Em algum momento do percurso, aprendi que projeto de vida inclui projeto de carreira. Humanos que somos, não separamos a vida em duas, ou três... Projetar a vida é permitir-se alçar novos voos, buscar sabor e sentido em tudo que se vive. Nos últimos tempos, ponderei que o sentido da minha carreira é mesmo a Educação, mas que há muitos novos sabores a serem experimentados e sua trama ainda não admite pontos finais
Vivemos um eterno e delicioso rascunho, corrigindo aqui e acolá e, quando é impossível apagar, mudando toda a estrutura do texto para retomar o percurso, aventurando-se por novos caminhos, transformando medos em desafios, “ortografando” nossas histórias...

Vale lembrar, senhor ministro.

Em protesto silencioso, professores vencedores do prêmio Professores do Brasil,   erguem livro de Paulo Freire em foto oficial, com minist...